terça-feira, 26 de abril de 2011

Superação

A vitória da persistência

Leilane Menezes

Antonio Cunha/Esp.CB/D.A Press

Aos 13 anos, Saulo Moraes Emenergídio, surdo, dedica-se ao treinamento e já ganhou várias medalhas.

Com sérias limitações físicas desde que nasceram, os irmãos Iury e Saulo tiveram nos pais o maior incentivo para vencer obstáculos, mesmo com as perspectivas pessimistas de alguns médicos.



Diante de um ginásio lotado, o atleta Saulo Moraes Emenergídio, 13 anos, morador de Samambaia, precisa se esforçar em dobro para competir de igual para igual com seus concorrentes. O adolescente nasceu surdo. Seu equilíbrio ficou seriamente comprometido. Algo que, especialmente para um ginasta, que precisa se manter firme em cima de barras estreitas, poderia significar um obstáculo intransponível. Mas não para Saulo.

Quando é chamado para se apresentar, caso os pais — que o assistem sempre na arquibancada — não façam o sinal de ok, Saulo pode perder a vez. Nada disso, porém, impede que o garoto dispute com meninos da mesma idade, sem nenhuma necessidade especial, e vença com frequência. Nas 15 competições das quais participou, Saulo não voltou para casa sem medalha nem uma vez sequer.

Em 2010, o garoto ficou em primeiro lugar no Torneio Nacional de Goiânia de Ginástica Artística, categoria infantil. No mesmo ano, levou para casa a medalha de prata no torneio brasiliense da mesma modalidade. Como a surdez não é incluída nas paraolimpíadas, Saulo compete com quem é ouvinte.

Saulo é irmão de Iury, 17 anos, que não ouve e, além disso, não enxerga. Iury também tentou ser ginasta, mas precisou deixar de lado a ideia depois de um descolamento de retina, que agravou ainda mais sua baixa visão. Mesmo assim, não desistiu do esporte e passou a praticar natação. É assim que, desde que vieram ao mundo, os dois irmãos surpreendem todos à sua volta, dos pais até os médicos.

Os pais, que enxergam e ouvem perfeitamente, precisaram aprender a conviver com a ideia de que os meninos viveriam em um mundo sem sons. Por conta do vírus causador da infecção conhecida como citomegalovirose, as crianças tão esperadas não desenvolveram a audição. Durante a gestação, a mãe, Elen Regina Moraes, 46 anos, professora, sentiu-se mal e visitou o médico.

Segundo o doutor, tudo não passava de uma gripe. O menino nasceu e só então veio o diagnóstico correto. Na gravidez, o vírus havia afetado o útero e alterado a formação do ouvido interno da criança. Assim, o labirinto ficou comprometido. À época, poucas escolas aceitavam crianças com necessidades especiais. Inclusão social era uma prática pouco difundida.

O casal, então, começou a estudar a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Quatro anos depois, veio uma nova gravidez. Eles não imaginavam que o novo integrante da família viria com a mesma limitação física do irmão. “Àquela altura, a gente já estava mais preparado. Mesmo assim, eu não parava de pensar em como seria o futuro dos meus filhos, se eles conseguiriam estudar, ter um emprego, uma vida normal, enfim”, relatou a mãe.

Surpresas
Segundo os médicos que acompanharam a gestação, a deficiência de Saulo foi ocasionada pela mesma razão da de Iury. “O médico disse que o problema era uma gripe e apostou na não sobrevivência do meu filho. Quis nos poupar e cometeu um grande erro”, explicou o pai dos rapazes, Ednaldo Antônio Emenergídio, 47 anos, funcionário público. “Os livros não dizem muito sobre o cito (vírus). Nenhuma leitura me garantiu que o problema se repetiria. Mas os livros sabem pouco sobre essa doença”, atentou Elen. Com o novo bebê nos braços, a mãe só poderia amá-lo e desejar que a vida o tratasse bem.

Seguindo conselhos de médicos, Ellen e Ednaldo procuravam algum esporte para melhorar o equilíbrio dos filhos, que muitas vezes não conseguiam sequer andar em linha reta. Depois de muita busca, chegaram à conclusão de que a ginástica artística seria a melhor opção. O casal bateu à porta de várias escolas, em vão. “Ver todas as portas fechadas é muito angustiante”, lembra Ednaldo.

Iury e Saulo só foram bem-recebidos em um centro de ensino público, o Clube Escola 1, em Taguatinga Centro. Ali, a família encontrou acolhimento e profissionais dispostos a acreditar na capacidade dos garotos. A estrutura da escola, porém, era — e continua — precária. “Os professores tiram dinheiro do bolso para não pararem as atividades”, relatou Ednaldo. De maneira improvável, o que era para ser um tratamento acabou revelando o talento de Saulo para a ginástica artística. Um dos grandes incentivadores foi o treinador Eduardo Pires de Almeida.

Esforço
Atualmente, a turma da qual Saulo faz parte promove a rifa de uma bicicleta e eventos com venda de bolo e cachorro-quente para custear a ida dos atletas a dois campeonatos importantes: um em Goiânia e outro em Porto Alegre. Eles também buscam recurso para consertar a barra de ferro para treinamento, que quebrou há meses, nas vésperas de competições.

Depois de se destacar tantas vezes, Saulo recebeu diversos convites para treinar em clubes particulares — os mesmos que antes lhe fecharam as portas. Recusou todos. Apesar de não ouvir com clareza, o rapaz fala. Ele e Iury foram oralizados, por insistência dos pais. “As pessoas acham que o surdo nunca vai poder falar. Mas nós não aceitamos essa imposição. Batemos em muitas portas e corremos atrás de fonoaudiólogos e educação inclusiva para os nossos filhos”, relatou Ednaldo. “Alguns pais simplesmente param de falar com os filhos porque eles são surdos. Se eu pudesse dar um conselho, diria: Não desistam tão facilmente”, acrescentou Elen.

Equilíbrio
O labirinto, também conhecido como ouvido interno, congrega as funções da audição e do equilíbrio. Fica incrustado no osso temporal, do crânio. A palavra labirinto lembra uma estrutura complexa e elaborada.

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